Muito além das ações

Quando o assunto é mercado de capitais, costuma-se fazer uma associação direta com a compra e venda de ações em bolsas de valores. Embora muito expressiva, essa é apenas uma fração dos papéis que podem ser negociados. Além dos mercados organizados, como o pregão da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e a Sociedade Operadora do Mercado de Ativos (Soma), há operações feitas no mercado de balcão.


E essas negociações não giram somente em torno de ações de empresas de capital aberto. Há debêntures, notas promissórias, fundos imobiliários...

A falta de informação do grande público a respeito dos mecanismos disponíveis para obter financiamento (do lado corporativo) e rentabilidade (do lado do investidor) está atrelada aos diversos anos de inflação pelos quais o Brasil passou, em que o dinheiro precisava ser aplicado diariamente para não virar pó.

Naquela época, ainda não se prestava muita atenção aos direitos dos acionistas minoritários, nem havia tanta transparência de informações.
Depois, veio a era dos juros altos. Com a taxa referencial, a Selic, superando 25% ao ano, dificilmente outro tipo de aplicação, que não fosse altamente arriscado, pagaria rendimentos superiores a um fundo DI, por exemplo. Por isso, o mercado de capitais destinava-se basicamente aos investidores institucionais.

De acordo com Geraldo Soares, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri), de 25% a 27% das negociações no mercado de capitais no Brasil são realizadas por pessoas físicas, enquanto nos Estados Unidos essa participação é praticamente o dobro, chegando a 50%. Para estimular a entrada de novos investidores individuais, entidades de classe e do mercado estão fazendo programas para informar a população sobre as vantagens do mercado de capitais, ao mesmo tempo em que tentam facilitar o acesso do público por meio da Internet e da redução dos valores mínimos de aplicação.


Foi assim que surgiu o Home Broker da Bovespa, pelo qual o investidor pode fazer todas as suas operações virtualmente, e também os programas de incentivo à formação de clubes de investimento (veja reportagem na página 30). "Em primeiro lugar, o investidor precisa entender como funciona o mercado de capitais e deve saber que ele existe para financiar o desenvolvimento do país", diz Clodoir Gabriel Vieira, economista da corretora Souza Barros, uma das maiores do país.

A regulamentação, feita pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), também é essencial para dar credibilidade às operações. "Temos a missão de estimular o desenvolvimento do mercado, alargando a base de investidores. Para isso, estamos sempre aprimorando os mecanismos de aplicação, deixando-os mais ágeis e modernos, sem abrir mão da transparência das informações e da segurança", afirma Luiz Leonardo Cantidiano, presidente da CVM.

Para Mauro Halfeld, consultor de finanças pessoais e autor do livro Investimentos: Como Administrar Melhor seu Dinheiro, a queda continuada da Selic vai estimular o interesse pelo mercado de capitais, especialmente por ações. Nesse campo, ele aconselha que o investidor esteja sempre atento aos movimentos de alta e baixa da bolsa, para evitar a euforia dos mercados. "Quem apostou na retomada do mercado e formou sua carteira em meados de outubro de 2002, quando a bolsa chegou ao fundo do poço, hoje teria acumulado 94% de rendimento", conclui. "Mas quem vai entrar agora precisa tomar cuidado para não comprar papéis que já tenham se valorizado muito. Para evitar as oscilações, a melhor decisão é investir gradualmente e sempre."

Aplicar diretamente em ações, no entanto, requer muita disciplina do investidor, que precisa acompanhar de perto se aquela empresa (ou empresas) em que ele investiu está dando o retorno esperado, tanto no preço dos papéis quanto no pagamento de dividendos. Para quem prefere ter menos trabalho, os fundos de ações são uma boa opção. Eles são fundos de investimento que aplicam exclusivamente em ações de empresas, que podem ser do mesmo setor (como energia ou tecnologia, por exemplo) ou escolhidas de maneira a acompanhar algum índice, como o Ibovespa. O investidor compra uma quantidade de cotas daquele fundo e terá seus rendimentos calculados com base nessas cotas, podendo sair a qualquer momento. A desvantagem é que as taxas de administração desse tipo de fundo costumam ser mais altas, chegando a 4% em alguns casos.

Assim, se você pretende aplicar parte de seus recursos no mercado de capitais, é bom conhecer um pouco mais a respeito das outras modalidades de investimento existentes. Por isso, é importante que as entidades ligadas ao mercado disponibilizem o máximo de informações para que os investidores façam suas opções de forma consciente. "Nossa meta não é simplesmente vender ações; queremos esclarecer e educar nosso público potencial", explica Raymundo Magliano Filho, presidente da Bovespa. Só com iniciativas desse tipo, acredita, será possível atrair novos investidores para o mercado, fortalecendo-o. O plano diretor do setor é outro bom exemplo. "Ele é uma amostra do esforço que o mercado está fazendo para que haja opções de investimento efetivas para o desenvolvimento da economia em nosso país", afirma Haroldo Levy Neto, vice-presidente da Apimec-SP (mais informações sobre o plano diretor podem ser encontradas no site www.apimec.com.br).

Veja, a seguir, quais são, além da compra de ações, as aplicações disponíveis no mercado e quais são suas vantagens e desvantagens.

Fundos imobiliários
Ideais para os que apreciam a segurança de investir em imóveis, esses fundos têm conquistado espaço entre os poupadores. Primeiro, porque eles pagam uma renda mensal - da mesma maneira como o investidor receberia o aluguel de um apartamento, de um flat ou de uma sala comercial - sem ter de administrar diretamente o imóvel. Segundo, porque o risco é baixo, desde que se conheçam os imóveis que compõem o fundo e suas características de locação. A variação da rentabilidade ficará por conta da renda do aluguel (ou faturamento da loja, no caso de shoppings) e de uma possível inadimplência. Alguns fundos garantem uma rentabilidade mínima nos primeiros anos da operação.

Há ainda outro atrativo: é possível vender parte desse investimento (cotas) sem precisar mexer no patrimônio total. Ou seja, se um investidor possuir R$ 100 mil aplicados num imóvel e necessitar de R$ 20 mil para fazer um curso no exterior, por exemplo, ele precisará vender esse imóvel, pegar a quantia estipulada e então escolher outra forma de investir os R$ 80 mil restantes. Se esses R$ 100 mil estiverem aplicados num fundo imobiliário, dá para sacar apenas o valor desejado.

Até o fim da década de 90, somente os investidores institucionais tinham acesso a esse tipo de aplicação, mas em 1999 foi lançado o primeiro fundo imobiliário para o varejo: o Shopping Pátio Higienópolis, na capital paulista. A seguir, vieram o JK Financial Center e o Água Branca, ambos prédios de escritórios em São Paulo, o Hospital da Criança, na mesma cidade, o Europar, formado por galpões industriais, e o shopping carioca Fashion Mall. Entre os mais de 60 fundos imobiliários disponíveis no Brasil, cerca de dez já são abertos às pessoas físicas. "Essa é uma forma moderna de fazer investimentos de base imobiliária", afirma Rodrigo Machado, diretor da Brazilian Mortgages, empresa que lançou as bases para que esse tipo de aplicação tivesse força no país.

Apesar de ser um recurso muito utilizado nos Estados Unidos, havia dúvidas em relação à transparência dessas operações e à liquidez dos títulos no Brasil. Como não existia um mercado secundário, os próprios corretores e administradores se tornaram os grandes responsáveis por dar as informações e acertar negociações de compra e venda entre possíveis interessados. Em abril deste ano, no entanto, um passo importante foi dado no sentido de tornar o mercado mais dinâmico e organizado: as cotas de alguns fundos começaram a ser negociadas na Soma, subsidiária da Bovespa.

A Soma adotou um sistema de negociação com regras transparentes, em horários predeterminados, para evitar oscilações bruscas de preço. No site www.somativos.com.br, o investidor pode acompanhar as movimentações diárias e obter mais informações sobre cada um dos fundos listados na Soma. As cotas são custodiadas na Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) e os investidores recebem todo mês um extrato de suas movimentações. "Agora, as operações com fundos imobiliários têm um mecanismo de salvaguarda muito semelhante ao das ações", diz Romeu Pasquantonio, diretor da Soma.

O primeiro a se registrar na Soma foi o Fundo de Investimento Imobiliário Edifício Almirante Barroso, logo após a distribuição primária. Em três meses, 25% do valor do fundo - cerca de R$ 25 milhões - já tinha sido negociado no mercado secundário. Também estão cadastrados o Memorial Office, o Shopping Pátio Higienópolis e a Torre Norte. Pasquantonio espera atrair outros fundos para serem negociados no mercado de balcão organizado. "Isso representa uma nova etapa na indústria de fundos, uma etapa mais madura, de transparência na formação de preço e de democratização das informações", afirma Machado.

Debêntures
O nome é complicado e a operação, sofisticada, mas seu conceito é simples de entender: debêntures são títulos que uma empresa lança para se capitalizar. É uma maneira de contrair um empréstimo no mercado para financiar a compra de máquinas, a expansão do parque industrial e da produção etc. Trata-se de um investimento conservador, indicado para quem procura uma rentabilidade garantida, acima da caderneta de poupança e, muitas vezes, superior à do CDI.

Assim como os fundos imobiliários, as debêntures devem ser usadas como forma de diversificar os investimentos de longo prazo, para a aposentadoria, por exemplo. "Por isso, é aconselhável escolher papéis de empresas sólidas", avalia Vieira, da Souza Barros. Ele cita a Petrobras, que lançou recentemente títulos com vencimento em agosto de 2012, com taxa de 11% ao ano e investimento mínimo por volta de R$ 1.000 (hoje, essa cota mínima vale mais de R$ 1.250).

O grande entrave para os investidores individuais é a dificuldade de acesso a esses papéis. Por enquanto, são poucas as empresas que estruturam operações com títulos de valor mais acessível e que sejam distribuídos de maneira democrática. "Para existir um mercado de debêntures ativo, deve-se criar um mercado secundário, o que só é possível a partir de uma padronização dos papéis", pondera Cantidiano, presidente da CVM. Se as características forem equivalentes, diz ele, o investidor só precisará analisar o risco da empresa e a taxa de juros que será paga.

Para isso, está em fase de análise na CVM uma instrução que cria um modelo para a emissão de debêntures. A empresa não será obrigada a segui-lo para realizar a operação, mas para entrar no mercado secundário. "Com a padronização, será possível oferecer esse produto no varejo com um valor acessível e estimular a entrada das pessoas físicas", avalia Cantidiano.

A Bovespa já está se preparando para quando isso for realidade. Há dois anos e meio, foi lançado o Bovespa Fix, um mercado organizado para negociação, liquidação e custódia de debêntures. "Antes, tudo era negociado no mercado de balcão; agora, oferecemos um ambiente transparente para as transações", explica Charles Mann de Toledo, gerente de operações de renda fixa da Bovespa. Há ainda um site (www. bovespafix.com.br) que fornece as informações referentes aos papéis negociados por esse mecanismo (características, escrituras, fatos relevantes dos emissores, preços e negócios realizados no mercado secundário).

Notas promissórias
Se as debêntures ainda são desconhecidas do grande público, as notas promissórias (ou commercial papers) estão ainda mais longe da realidade dos investidores individuais. Os valores são maiores - na faixa dos R$ 100 mil a cota -, os papéis são de curto prazo, as pessoas físicas não têm acesso ao mercado primário e o secundário é raríssimo, uma vez que os investidores costumam ficar com seus papéis até o vencimento. "Quando a empresa emite uma nota promissória, ela não está pensando em liquidez, mas em rolar uma dívida de curto prazo", explica Toledo, da Bovespa. De qualquer forma, esse também é um mecanismo de investimento que, com o tempo, poderá estar acessível a qualquer poupador.

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