Mercado imobiliário - Investidores

Os donos da chave de sua casa...
...do seu escritório, de hotéis, hospitais. Eis os homens que irrigam com dinheiro o boom do setor imobiliário.
por Joaquim Castanheira

O paulistano Armando Montes sempre cultivou o desejo de investir em imóveis – herança da ascendência ibérica, brinca ele. Faltava-lhe dinheiro e, sobretudo, segurança para escolher o investimento correto, que lhe garantisse bom retorno. Pois anos atrás Montes descobriu uma forma de realizar seu sonho sem escapar de suas restrições financeiras.


Por cerca de R$ 20 mil comprou duas cotas do fundo de investimento formado para a construção de um shopping center. Hoje recebe “aluguel” do empreendimento – cerca de R$ 900 mensais. “Os lojistas são meus inquilinos”, diverte-se ele. Na outra ponta dessa história, encontra-se Fábio Nogueira, diretor geral da Brazilian Finance & Real State, uma empresa voltada para investimentos no mercado imobiliário. Há oito anos, Nogueira montou um fundo imobiliário, arrecadou R$ 40 milhões e viabilizou a construção do shopping. Foi a primeira operação desse tipo no Brasil. Investidores como Montes e empresários como Nogueira desenharam um novo modelo para o setor imobiliário. Nessa nova era, esse mercado já não vive apenas de cimento, tijolo e financiamentos oficiais.

Fábio Nogueira: sua Brazil
Finance já movimentou R$
4,5 bilhões com securitização
e fundos imobiliários

José Paim: com investimento
de R$ 1,5 bilhão, conduz o
maior projeto residencial em andamento no País




Hoje, a aplicação em imóveis vai rapidamente se transformando em uma nova modalidade de investimento financeiro, assim como ações, títulos públicos ou caderneta de poupança. “Fizemos a transição do mundo do concreto para o mundo dos papéis”, afirma Nogueira.

Zeca Caldeira




Daniel Citron: a Tishman monta
um fundo, de US$ 500 milhões, ex-
clusivo para investir no Brasil





Aos 46 anos, Nogueira faz parte de uma geração de executivos e empreendedores que está conduzindo o setor nessa travessia. São sujeitos com uma larga experiência no setor. Possuem a cabeça voltada mais para a engenharia financeira do que para a engenharia civil. Ao contrário dos antigos construtores, não têm apego aos imóveis que ajudam a erguer e podem vendê-los assim que o investimento for remunerado com um bom lucro. Mais e mais, esse time terá em suas mãos as chaves de sua casa, de seu escritório, de hotéis, hospitais e todo tipo de empreendimento destinado a abrigar pessoas. São eles os protagonistas do boom imobiliário que agita o País neste momento. Segundo um estudo da Merrill Lynch, somente neste ano o setor deverá receber investimento de R$ 27,5 bilhões. Em algum momento, boa parte dessa dinheirama passará pelas mesas dessa nova geração de empresários.

Nogueira dedica-se há mais de 20 anos ao setor. Seu currículo acumula passagens por instituições do porte do Citibank, BankBoston e BCN. “Em cada um deles, criei a área imobiliária a partir do zero”, conta. Desde então, e ainda hoje, o grande desafio é convencer o investidor a entregar seu dinheiro sem receber uma escritura de volta. “Em compensação, ele tem rentabilidade e liquidez maiores do que se comprasse um imóvel diretamente”, diz ele. Com esse tipo de argumentação, a Brazilian Finance já estruturou operações de R$ 2,5 bilhões em fundos imobiliários e outro R$ 1,5 bilhão em securitização de recebíveis. Graças a esses instrumentos, a companhia viabilizou a construção da Torre Norte, um dos mais modernos e vistosos edifícios de escritórios de São Paulo, e o Shopping Pátio Higienópolis. Sua mais recente empreitada foi um fundo para financiar o projeto do Hospital Nossa Senhora de Lourdes, em São Paulo. Em duas emissões, o empreendimento captou R$ 65 milhões. “Foi um sucesso”, afirma Nogueira. “Os investidores já não torcem o nariz para esse tipo de aplicação.”

Helcio Nagamine


Paulo Ximenes: sua corretora acaba
de vender uma cobertura, na planta,
por R$ 8,7 milhões








Nem sempre foi assim. Na primeira operação de securitização, a Brazilian Finance comprou propositadamente uma carteira de recebíveis problemática, que já havia sido renegociada um vez e continuava apresentando níveis de inadimplência elevados. “Queríamos demonstrar nossa capacidade no pior dos mundos possíveis”, diz Nogueira. A empresa estabeleceu também uma regra “sossega investidor”: assumiria perdas equivalentes a 20% dos recebíveis. Mais: conseguiu que seu primeiro cliente fosse o Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID, instituição que dispensa apresentações. No final das contas, o resultado foi positivo. “Era um produto desconhecido e gerou desconfiança. Com essas medidas construímos nossa credibilidade”, resume Nogueira.

O que segurou a explosão do mercado imobiliário foi o longo período de inflação alta no País. “Tratava-se de um investimento de longo prazo num cenário de curtíssimo prazo. Acreditávamos no setor, mas nossa persistência beirava a teimosia”, afirma Carlos Betancourt, presidente da Bracor. Depois de mais de 20 anos de atuação nesse meio, Betancourt fundou a Bracor em junho de 2006, em associação com o Equity International, maior grupo de investimentos imobiliários do mundo vendido recentemente por seu fundador Sam Zell por impressionantes US$ 36 bilhões. Desde que abriu as portas, a Bracor já colocou R$ 500 milhões em território brasileiro. Seu negócio é adquirir imóveis corporativos e, em seguida, alugá-los para os antigos proprietários. Foi assim com um centro de distribuição da Alpargatas no Nordeste. A Brascor também ergue edificações sob medida para um cliente mediante um contrato de locação de longo prazo, a exemplo de um centro de distribuição para a AGV Logística, em Vinhedo (SP). Em outros casos, adquire um imóvel antigo e o reforma de acordo com a necessidade de uma empresa específica, num processo chamado de retrofit. “Há um enorme espaço de crescimento”, diz Betancourt. “As empresas brasileiras possuem muito capital imobilizado. Se o acionista quisesse investir em prédio, colocava seu dinheiro em uma imobiliária.” Segundo ele, as companhias americanas possuem apenas 20% de seu capital em edifícios. No Brasil, esse índice é de 80%.

Betancourt atua na parte menos aguerrida do mercado, a de imóveis corporativos. “Num momento de expansão, os residenciais saem na frente. Os clientes corporativos esperam mais, agem mais racionalmente”, diz José Paim de Andrade, da MaxCap, especializada na gestão de investimentos do setor. Paim comandou a primeira abertura de capital de uma construtora, a Rossi, da qual foi um dos fundadores. Hoje, identifica boas oportunidades, reúne grandes investidores e viabiliza tacadas gigantescas. Um deles foi a aquisição do Edifício Esso, no Rio de Janeiro, há três anos. Construído em 1933 como sede da Standard Oil e atualmente tombado pelo patrimônio histórico, o local abrigará a unidade carioca do Ibmec, depois de passar, durante nove meses, por uma profunda restauração – um contrato de locação de 15 anos. Valorizado, o prédio será colocado à venda por Paim no próximo mês de março. “O retorno para os investidores será de 70% ao ano”, aposta ele. Mas o lance de porte conduzido por Paim é o Campos São Paulo, um bairro residencial com oito torres de apartamentos, cujos preços começam em mais de R$ 1,5 milhão. A empreitada total consumirá R$ 1,5 bilhão e estará concluída em cinco anos. “É o maior projeto imobiliário em andamento no País”, afirma ele. Seu principal parceiro é a construtora Bueno Neto. Recentemente venderam uma parcela de 25% do negócio para a Tecnisa, uma das grandes construtora do País. “Nunca imaginei viver num momento desses. Antes tínhamos projetos, mas faltavam recursos”, afirma. “Hoje, a situação é inversa.”

A euforia no mercado residencial é capaz de mudar até a estratégia de grandes companhias do setor. A Tishman Speyer transformou-se na maior investidora imobiliária do mundo focada apenas para escritórios de alto padrão. Ícones como o Rockfeller Center e o Chrysler Building, em Nova York, e o Sony Center, em Berlim, são de sua propriedade. Em 2003, porém, diante do marasmo desse pedaço do mercado, a empresa entrou na área residencial. “Foi um esforço danado convencer os acionistas dessa mudança”, diz Daniel Citron, presidente da filial brasileira. “Com os resultados, porém, a Tishman levou a experiência para outros países.” Em dez anos de presença no Brasil, a empresa já vendeu 250 mil metros quadrados de imóveis. Nesse período, investiu o equivalente a R$ 1,5 bilhão em nove projetos de grande porte. Em algumas semanas, Citron espera uma nova onda de recursos. A Tishman está montando um fundo de investimento no exterior para investir exclusivamente no Brasil. A expectativa é arrecadar até US$ 500 milhões. “Até hoje, utilizávamos o dinheiro de nossos fundos globais. Agora, teremos um exclusivo para o País”, afirma Citron.

A sofisticação dos projetos cria um efeito cascata no mercado, desde a etapa de construção à venda de escritório e apartamentos. Paulo Cezar Ximenes, um ex-executivo da Merrill Lynch em Nova York, identificou a carência de corretores de imóveis qualificados para atender clientes endinheirados. De volta para o Brasil, “aproveitou o DNA da família” (o avô e o pai atuavam no ramo) e montou a Ximenes, imobiliária que só comercializa imóveis a partir de R$ 900 mil. Os compradores são executivos e empresários, muitos deles estrangeiros. “Tenho corretores que falam seis idiomas”, diz ele. Graças à sua formação, Ximenes utiliza também uma linguagem universal, a financeira. “Sempre digo para eles que, quem está à procura de hedge, deve comprar imóveis.” Há pouco meses, Ximenes vendeu a “mais cara cobertura na planta do País”, uma área de 1,2 mil metros quadrados na Barra da Tijuca. O preço: R$ 8,7 milhões. Agora, a Ximenes fechou uma parceria com a americana Newmark Knight Frank, com atuação em 40 países e responsável pela intermediação de negócios no setor que totalizam US$ 40 bilhões. “Vamos trabalhar juntos principalmente na praça de São Paulo”, diz Ximenes. Enfim, o boom do mercado imobiliário atrai cada vez mais gente que tem em suas mãos a chave de sua casa, de seu escritório, etc.

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