INVESTIMENTOS PAPO FURADO

Bolha de sabão. Ganham os que sabem a
hora de entrar e a de sair. Historicamente,
nenhuma alta da Bolsa sustenta-se por muito
tempo







No Brasil, os dados mostram que nos últimos 14 anos o Ibovespa levou uma lavada do CDI, o Certificado de Depósito Interbancário, um título de renda fixa de baixo risco que reflete o juro praticado no mercado financeiro. Nos Estados Unidos, estudos revelam praticamente um empate entre renda fixa e variável, ou seja, a fixa oferece uma relação entre risco e retorno mais vantajosa para o investidor.

Por falta de base estatística mais longa, a comparação feita no Brasil não é ideal porque pega um período em que a economia brasileira foi assolada pela hiperinflação. Tomando-se como base 100 e descontada a inflação pelo IGPDI, de 1986 para cá, ano em que o CDI passou a existir, esse título acumulou uma alta de 687,2%, enquanto o Ibovespa, índice da Bolsa de Valores de São Paulo, rendeu 298,4% (veja gráfico).

COVARDIA. Chega a ser uma covardia colocar os juros praticados na época para segurar preços incontroláveis frente a frente ao retorno das ações de empresas com crescimento prejudicado pelo cenário econômico, agravado por diversos planos que deram errado e por uma abertura selvagem ao mercado externo. E mesmo assim, quantas vezes o investidor brasileiro teve de ouvir aquela máxima durante esse período?

"Dizer que o investimento em ações é bom negócio no longo prazo é um mito. Pelo menos no Brasil, onde o mercado não tem estabilidade e não existe uma lei de sociedades anônimas que proteja o investidor" , diz Carlos Augusto Levorin, diretor da ClickInvest Gestão de Ativos, ex-corretora Síntese. "Aqui, para se ganhar dinheiro é preciso aproveitar os picos, sabendo a hora de entrar e a de sair, independentemente de prazos. É preciso ser jogador" , diz. E completa: "O gerente do banco nunca dirá a seu cliente que é hora de sair do fundo de ações" .

BALELA. Seja em relação ao mercado brasileiro ou norte-americano, Fausto de Arruda Botelho, diretor da Enfoque Gráfico e especializado em análise técnica (grafista) de mercados de risco, é cético quanto ao bom retorno das ações no longo prazo. "Isso é uma balela. A Bolsa de Nova York só se recuperou do crash de 1929 depois de 25 anos" , diz.

O prazo de, por exemplo, 20 anos, contido nesse período de 25 anos que a Bolsa norte-americana levou para se reerguer, é considerado longo e não trouxe qualquer alegria para o investidor. Em compensação, quem entrou na Bolsa norte-americana há cinco anos ainda não sabe o que é perder dinheiro. O que leva a crer que o ganho não depende da duração do investimento, e sim dos momentos certos em que se compram e se vendem as ações.

Segundo Botelho, essa conversa de que investir na Bolsa a longo prazo é um bom negócio começou a se difundir no Brasil principalmente nos anos 70. "Na época, servia para consolar as pessoas que viram suas ações virarem pó em 1972, com o início da crise do petróleo", diz.

RESPALDO. Já que a comparação entre renda fixa e renda variável não encontra bases ideais no Brasil - a hiperinflação e suas conseqüentes mudanças de moeda interromperam as séries estatísticas e distorceram a economia -, tentemos o exemplar mercado norte-americano.

Um gráfico publicado no livro Valuing Wall Street, de Andrew Smithers e Stephen Wright, mostra que a média histórica do retorno real (descontada a inflação) do mercado acionário norte-americano desde 1900 é de - pasme! - 6,75% ao ano. O estudo é cuidadoso: para calcular o retorno médio ao investidor, o levantamento tirou uma média dos horizontes de aplicação, variando de um a 30 anos, por considerar que diferentes investidores ficam com o papel durante períodos diversos.

EMPATE. Comparando esse retorno de 6,75% da Bolsa norte-americana com o yield (principal mais juros) dos bônus de 20 e 30 anos do governo dos Estados Unidos, o resultado é quase um empate. Henry Kaufman, no livro On Money and Markets, mostrou que o yield desses bônus desde maio de 1950 chega a pouco mais de 6%. Com um detalhe: são aplicações praticamente livres de risco.
Julio Ziegelmann, diretor da BankBoston Asset Management, e Jorge Simino Jr., diretor da Unibanco Asset Management, trabalham com estatísticas diferentes. Segundo eles, uma das premissas que utilizam para fazer cálculos do fluxo de caixa descontado, a fim de avaliar o preço justo das ações, é de que a Bolsa norte-americana oferece um retorno vantajoso sobre os bônus do governo, desde 1926.

Segundo Simino, a diferença gira em torno de 5,5 pontos porcentuais para as ações mais negociadas, e de 7,6 entre as small caps, sobre as obrigações de longo prazo do governo, segundo os autores Zvi Bodie, Alex Kane e Alan Marcus, de acordo com uma simples média geométrica. Não é o que mostram os dados de Kaufman e de Andrew Smithers e Stephen Wright. "Talvez essa contradição entre os números deva-se ao tipo de cálculo. O outro levantamento (de Smithers e Wright) é mais sofisticado porque tira a média do investimento médio" , diz Simino.

NOVA ERA. Se nos últimos 14 anos a Bolsa perdeu feio para o CDI - é um fato, apesar (e por causa) de todas as aberrações da economia brasileira -, analistas estimam que a partir de agora se inicia uma nova era, de estabilidade e crescimento promovido por juros baixos.

"De agora em diante, a tendência é de que investir em Bolsa vire uma coisa normal e que ela deixe de ser vista como um cassino" , diz Luís Eduardo Assis, diretor de administração de recursos do HSBC. Segundo ele, ainda hoje a Bolsa brasileira oscila a reboque dos fatos macroeconômicos. Com a estabilidade, porém, passará a refletir principalmente a rentabilidade das empresas.
E essa rentabilidade, na opinião de Gina Baccelli, economista-chefe da Lloyds Asset Management (LAM), tende a crescer muito porque as empresas brasileiras ficaram mais competitivas e eficientes para conseguir sobreviver num ambiente cambial hostil.

Antes, com os juros altos, o aplicador tinha um bom retorno para um risco baixo. "De agora em diante, o investidor vai ter de aprender a conviver com o risco para conseguir retorno" , diz Paulo de Sá Pereira, diretor de estratégia de investimentos da LAM.

Ao se falar em nova era de crescimento e estabilidade no Brasil, em que a Bolsa passaria a ter uma alta consistente ao longo do tempo, não dá para não citar alguns capítulos do livro Irrational Exuberance, do economista Robert J. Shiller, professor da Yale University. Shiller descreveu, desde 1900, as expansões do mercado acionário norte-americano que estiveram associadas às percepções das pessoas de que o futuro seria mais brilhante ou menos incerto do que o passado. O termo nova era foi, até mesmo, usado diversas vezes para descrever esses momentos, que tiveram a duração interrompida ao contrário do que se imaginava.

INSUSTENTÁVEL. Para provar que as altas da Bolsa são insustentáveis depois de um certo período, como bolhas de sabão que estouram, e que o fenômeno não se atém apenas aos Estados Unidos, Shiller compilou as maiores altas de Bolsas de 36 países. O período de maior alta durante cinco anos é fatalmente seguido por outro, com igual duração, de correção de preços (veja alguns desses países na tabela). É o que ele chama de bolhas especulativas, em geral associadas ao efêmero entusiasmo das ditas novas eras.

A Bolsa da estável economia norte-americana mostra-se uma verdadeira montanha-russa. Ou o caso típico de um paciente maníaco-depressivo. Segundo o retrospecto de Shiller, o sobe-e-desce começa em 1901, com a euforia do novo século e a chegada de adventos tecnológicos como o trem que iria correr a 150 milhas por hora, a primeira transmissão de rádio atravessando o Oceano Atlântico e as previsões de que em breve haveria comunicação entre a Terra e Marte por meio do rádio.

Os jornais publicavam histórias de porteiros e camareiras que haviam feito fortuna na Bolsa. Além disso, numerosas associações, fusões e formação de trustes levavam a crer que as empresas iriam crescer como nunca, unindo forças e acabando com a competição. O balde de água fria veio em março de 1902, quando Roosevelt ressuscitou uma lei antitruste de 1890.

IMAGINÁRIO. Outra nova era emblemática foi a dos anos 20, de grande crescimento econômico nos EUA, mas que não foi além de uma quinta-feira de outubro de 1929. Em meados da década de 50, anunciou-se mais uma era mágica. A televisão ajudou a mexer com o imaginário das pessoas que, enfim, podiam visualizar o progresso.

Na década de 60, Kennedy era visto como a encarnação do otimismo nacional e a força do mercado de ações. Na época, chegou-se a pensar que a Bolsa era escudo contra a inflação. A barreira psicológica dos mil pontos do Dow Jones foi quebrada, mas durou pouco, até a crise do petróleo, nos anos 70. E por aí vai.

Tudo isso para resultar numa rentabilidade média anual de 6,75% no longo prazo. Prazo em que - como já disse o grande economista John Maynard Keynes - estaremos todos mortos .

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